domingo, outubro 26

    Enquanto o mercado financeiro se concentra em grandes nomes da tecnologia, como Apple e Nvidia, um trio poderoso se destaca de forma discreta: BlackRock, Vanguard e State Street. Juntas, essas instituições gerenciam impressionantes US$ 29 trilhões em ativos, o que ultrapassa o PIB combinado da América Latina, África e Oriente Médio. Embora seus nomes não sejam tão populares, a força que exercem, especialmente com o crescimento dos ETFs (Exchange-Traded Funds), é inegável.

    A Origem da Dominância: O ETF

    A história dos ETFs começa em 1993, com o lançamento do SPDR S&P 500 (SPY) pela State Street. O objetivo era simples, mas revolucionário: proporcionar acesso a uma carteira diversificada com taxas mínimas. Esse modelo se mostrou eficaz. Hoje, o mercado global de ETFs movimenta mais de US$ 16 trilhões, e o trio BlackRock, Vanguard e State Street concentra cerca de 79% desse total.

    Para manter sua posição de destaque, cada uma das gestoras adota uma estratégia particular:

    • BlackRock: Líder do mercado com US$ 15 trilhões em ativos através da linha iShares, focando em uma abordagem global.

    • Vanguard: Com US$ 13,5 trilhões, ela compete oferecendo custos extremamente baixos.

    • State Street: A pioneira que se mantém relevante com produtos icônicos, como o SPY.

    Entretanto, a simplicidade dos ETFs também traz um lado negativo: a formação de uma concentração de poder acionário nas maiores empresas do mundo.

    O Poder Oculto nas Participações Cruzadas

    Ao seguir índices de forma passiva, BlackRock, Vanguard e State Street se tornaram grandes acionistas em milhares de empresas. Para entender sua influência, elas possuem, juntas, quase 25% da Apple, 23% da Microsoft e 19% da Amazon. Esse poder de voto é significativo e permite que elas influenciem decisões importantes, desde políticas ambientais até indicações de conselheiros.

    A complexidade aumenta com as participações cruzadas. Por exemplo, a Vanguard possui 14% da BlackRock e 17,5% da State Street, enquanto a BlackRock detém 11,2% da State Street. Essa interdependência pode criar conflitos de interesse, dado que suas gestoras votam em assembleias de empresas que são concorrentes diretas, como Delta, American e United, ou Pfizer e Moderna.

    Dessa forma, há uma desconexão entre os interesses dos investidores, como fundos de pensão, e as decisões que essas instituições fazem em seu nome.

    Um Dilema para a Regulação Antitruste

    Esse cenário apresenta um desafio para as autoridades reguladoras. Como regulamentar entidades que controlam trilhões em nome de terceiros? A legislação antitruste, que tradicionalmente foca em monopólios de produção, não se aplica bem a essa situação. Nos EUA, existem tentativas, como o Stop Wall Street Looting Act, que visam limitar as participações, mas a complexidade jurídica é alta. As gestoras argumentam que atuam apenas como fiduciárias.

    ESG: A Politização do Capital

    Nos últimos anos, BlackRock, sob a liderança de Larry Fink, tornou-se o principal defensor do “capitalismo dos stakeholders”, promovendo metas ESG (ambientais, sociais e de governança). Em 2023, 99% das propostas ESG apoiadas pela gestora foram aprovadas. Porém, essa postura gerou controvérsia. Críticos alegam que BlackRock usa os fundos dos investidores para promover agendas políticas. A pressão sobre a Vanguard foi tão intensa que ela se retirou da coalizão Net Zero Asset Managers em 2022, buscando um espaço neutro.

    Mitos e Fatos

    O poder e a discrição desse trio geram narrativas que muitas vezes distorcem a realidade. É fundamental separar mitos de fatos:

    • Mito: Elas dominam o mercado imobiliário dos EUA.

      • Fato: Investidores institucionais controlam apenas 8% das residências unifamiliares, com mais influência em complexos multifamiliares e títulos hipotecários.
    • Mito: Elas ditam políticas governamentais.

      • Fato: Juntas, as três investiram apenas US$ 19 milhões em lobby em 2023, enquanto o setor de combustíveis fósseis gastou US$ 357 milhões. Sua influência é mais estrutural, por meio dos votos.
    • Mito: Elas são donas da economia global.

      • Fato: Aproximadamente 97% dos ativos que administram pertencem a terceiros. Sem a confiança de fundo de pensões e investidores, seu poder se esvai.

    Três Cenários para o Futuro

    O futuro desse trio pode ser moldado por três principais cenários:

    1. Intervenção Estatal: Leis limitando participações cruzadas podem obrigar uma mudança significativa nos negócios.

    2. Disrupção Tecnológica: O uso de blockchain e a tokenização de ativos podem fragmentar o mercado, reduzindo a dependência de intermediários.

    3. Continuidade Hegemônica: É provável que o trio atinja até US$ 35 trilhões em ativos até 2035, se não surgirem novos obstáculos.

    Conclusão: O Risco da Ideologia

    A hegemonia de BlackRock, Vanguard e State Street se baseia em um princípio central: oferecer retorno financeiro para seus cotistas. No entanto, a crescente conexão dos investimentos com questões ideológicas, como as metas ESG, pode entrar em conflito com esse objetivo.

    A lealdade dos cotistas não é garantida. Se as “Três Grandes” continuarem se distanciando dos interesses econômicos de seus clientes, arriscam perder capital para alternativas mais eficientes. Com o avanço da tecnologia, plataformas descentralizadas e modelos focados em performance pura, que não interferem em ideologias, poderão se tornar cada vez mais atrativos.

    Este é um momento importante de reflexão sobre o futuro das finanças, onde o equilíbrio entre retorno financeiro e ideologias é fundamental para a sustentabilidade do mercado.

    Renato Dias

    Jornalista, empreendedor e fundador do OiEmpreendedores.com.br, onde atua como escritor e editor-chefe. Une sua experiência em comunicação e visão empreendedora para levar conteúdo relevante ao público.